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DÉFICIT RACIAL: Economistas negros contam por que é tão difícil ser um economista negro no Brasil

Em 1976, recém-chegado à Universidade de Brasília (UnB) e prestes a completar 18 anos, Mário Theodoro percebeu que era o único negro na sala de aula do curso de economia. “O departamento tinha uns trezentos alunos, mas só uns três ou quatro negros. Eu era um deles”, recorda. Não que tenha sido uma grande surpresa. No colégio particular onde havia estudado, em Brasília, o rapaz de classe média – filho de uma dona de casa e de um servidor público transferido para Brasília nos anos 1970 – também convivia com mais brancos do que negros. Mas no ensino superior a relação era mais desequilibrada ainda. E o curso de economia figurava, como até hoje, entre os de maior “branquitude”.

A incômoda sensação de ser uma exceção acompanhou Theodoro por todo o período de graduação, pelo mestrado na Universidade Federal de Pernambuco e pelo doutorado na Universidade Paris i Panthéon-Sorbonne, em Paris. Interessado desde o início da vida acadêmica pelos estudos a respeito do mercado de trabalho, ele se concentrou nesse tema em sua dissertação de mestrado (sobre os trabalhadores autônomos do Grande Recife) e na tese de doutorado (sobre as políticas direcionadas ao setor informal no Brasil). Os trabalhos contribuíram para que mergulhasse numa questão essencial: a desigualdade econômica.

Theodoro teve amplo reconhecimento em sua carreira, mas a sensação de estar encampando uma batalha solitária o acompanhou durante a vida profissional, à medida que seus estudos o levaram ao problema racial. “Fui me aproximando dessa questão enquanto me aprofundava no estudo do mercado de trabalho, mas também em função do meu histórico e da minha condição de negro”, ele conta. “As piores condições de trabalho, as piores remunerações estão com a população negra. Essa situação, quando colocada a economistas brancos, não suscitava da parte deles qualquer tipo de questionamento. Eles não achavam que fosse um problema maior. É importante ter pessoas negras que reflitam sobre o Brasil e participem do debate público para definir que país é este e que país a gente quer.”

Uma dessas pessoas negras engajadas na reflexão sobre o Brasil, Theodoro lançou no ano passado, pela Zahar, o livro A Sociedade Desigual: Racismo e Branquitude na Formação do Brasil. Na obra, ele faz uma ampla análise da questão da desigualdade racial e social, segmentando o estudo em temas como mercado de trabalho, educação e saúde, ocupações miseráveis (favelas, palafitas, mocambos, alagados), violência e injustiça. “Existe um mecanismo, uma engenharia que faz com que, na sociedade brasileira, a questão racial e a social convivam em detrimento da população negra mais pobre. Não à toa o grande percentual de moradores de favelas é de negros. Os mais pobres entre os pobres são os negros”, diz. Indicadores mostram que isso não se dá por acaso. “Um conjunto muito importante de mecanismos institucionais e legais faz com que essa desigualdade seja vista como uma coisa naturalizada. No caso do Brasil, a questão racial não tem apenas que ser levada em conta, ela é seminal. Nasce junto com o país e é muito pouco estudada, porque os nossos modelos vêm de explicações e de sociedades em que a questão racial não é tão singular quanto a nossa.”

Theodoro fala com a convicção de quem há décadas analisa a desigualdade na sociedade brasileira. Em geral, os economistas tendem a relacionar as disparidades no ensino e no trabalho no país mais à questão social do que à racial, mas para Theodoro a desigualdade racial é o grande problema. Na sua perspectiva, em razão da influência das teorias econômicas europeias, o Brasil aceitou uma “matriz negativa” da sociedade capitalista, em que a questão racial nunca é colocada. “É uma matriz que explica o capitalismo sem explicar a questão racial, o que, no caso brasileiro, é um acinte. Nosso problema hoje é essa péssima leitura com relação ao Brasil que não considera que o país é majoritariamente negro e majoritariamente racista”, afirma.

Para ele, é preciso examinar a desigualdade que afeta a sociedade brasileira por dois prismas, simultaneamente: o racial e o social. “Ao mesmo tempo que se tem o racismo, que perpassa as relações sociais, somos uma sociedade de classes, como toda sociedade capitalista. Então há uma dupla clivagem, e mesmo uma tripla clivagem, se considerarmos a questão da mulher negra”, diz, lembrando que o simples fato de ser mulher ainda hoje é um fator de segregação, principalmente no mercado de trabalho.

Foi com o objetivo de impulsionar concretamente suas ideias que ele participou de uma das primeiras tentativas do Estado brasileiro de reduzir a desigualdade no âmbito escolar. Em 2003, ajudou a instituir, no primeiro governo Lula, a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir). Depois, fez pesquisas no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e, por meio de concurso, se tornou consultor legislativo do Senado. Quando o economista Márcio Pochmann assumiu a presidência do Ipea, em agosto de 2007, no segundo mandato de Lula, Theodoro retornou ao instituto como diretor de Estudos e Relações Econômicas e Políticas Internacionais. Permaneceu até 2011, quando assumiu a secretaria executiva da Seppir a convite da ministra Luiza Bairros.

O grande marco da Seppir foi a criação do sistema de cotas nas universidades públicas. De início, tratava-se de uma medida a ser adotada a critério de cada instituição. A partir de 2012, com a aprovação da Lei de Cotas pelo Congresso, tornou-se obrigatória no sistema público de ensino superior.

Theodoro ficou na Seppir até 2013. A secretaria serviu de apoio a algumas políticas de governo, como o Fome Zero, e desenvolveu iniciativas que não tiveram o mesmo peso que a política de cotas, como o Brasil Quilombola, programa de ação social para quem vive em quilombos. Em 2015, no início do segundo mandato de Dilma Rousseff, a Seppir foi extinta e suas funções incorporadas ao Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos.

Defensor obstinado das cotas raciais, Theodoro atribui a essa iniciativa uma mudança sem precedentes do perfil universitário brasileiro nos últimos dez anos. Mas não há números oficiais para certificar a tese. Um estudo realizado pelo Laboratório de Estudos e Pesquisas em Educação Superior da UFRJ, com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE, aponta que, de 2011 a 2019, a frequência de negros em cursos de graduação aumentou 87%; de indígenas, 40%; e de brancos, 9%. Apesar do maior aumento proporcional de negros, o hiato entre as raças continua. Para exemplificar esse problema, o estudo toma um dos objetivos do Plano Nacional de Educação, de 2015: elevar a ta­xa líquida de escolarização superior para 33% até 2024. Em 2019, essa já era a realidade para os brancos, com uma taxa de 34% de inscritos em cursos superiores. Mas, para os jovens negros (18% dos inscritos) e indígenas (15%), “o caminho até lá ainda é longo”, diz o estudo.

A adoção das cotas não foi tarefa fácil. Theodoro conta que as medidas implementadas pelo Seppir encontraram resistência mesmo nas bancadas dos partidos de esquerda. “Eles diziam que tinha de haver uma política para pobres brancos. Ora, não funciona muito bem usar uma chave de fenda para bater um prego. Cada política tem a sua razão de ser”, afirma. “As cotas foram para combater o racismo. Não podem ser usadas para quem nunca sofreu racismo, como está sendo feito hoje. Quer ajudar o branco pobre? Distribui renda, bolsas de estudos, faz tudo o que os países europeus fizeram com sua população. Nunca houve necessidade de cota para população branca. Para a negra sim, porque essa tem dificuldade de acesso por causa do racismo. Simples assim.”

Hoje ele não esconde sua decepção com as mudanças impostas à política de cotas. “Ela está míope. Tem de ser valorizada e ganhar consistência.” Mas Theodoro guarda certo otimismo. “A questão racial, que antes não era estudada, entrou em pauta. O fato de você e eu estarmos falando agora sobre isso é sinal de mudança.”

Exemplos de discriminação acompanham o economista e professor desde sempre. Theodoro conta, balançando entre o riso e a indignação, um episódio que aconteceu em sua primeira semana como consultor no Senado, onde é obrigatório o uso de terno e gravata pelos homens. Logo depois de estacionar, foi abordado por um guardador de carros, que perguntou se ele era segurança. “Eu olhei para ele, preto como eu, e perguntei: ‘Por que você acha que eu sou segurança?’ Ele ficou parado, sem graça, e não teve como responder.”

Quando conversou com a piauí por telefone, em setembro passado, o economista e sua mulher, Luciana, se encontravam em Paris. Ele está há um ano na França tratando de uma doença rara, a síndrome de Sézary, um tipo de câncer que acomete as células t, nosso exército de defesa no sangue. “Atinge uma em cada 500 mil pessoas. Estou fazendo um tratamento experimental de uma universidade francesa e tomo quinze medicamentos diferentes. As respostas do organismo estão sendo muito positivas”, conta. “Só lamento não poder ir ao Brasil para votar.”

Traçando paralelos com países que buscaram se reinventar, como os devastados por guerras, ele defende uma mudança de eixo no Brasil nos próximos anos. “A economia vai ter de crescer, principalmente depois de ter passado por um momento depressivo que foi fruto de políticas que priorizaram a apresentação de boas contas ao mercado financeiro”, diz. “Mas isso não é projeto de país para ninguém. Os Estados Unidos têm déficit, as nações da Europa têm déficit. O Brasil enxuga despesas apenas para mostrar que é superavitário e gerar bons relatórios para os títulos que lança no mercado. Mas um país não pode ser administrado como uma empresa, que tem de dar lucro a qualquer custo.”

Há um consenso entre estudantes e economistas do país de que os principais cursos de graduação e pós-graduação na área são os da Fundação Getulio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro e de São Paulo, da PUC-Rio e da USP. Isso se deve ao fato de que dessas instituições saíram (e continuam saindo) os economistas mais influentes na vida pública, do mercado financeiro e da iniciativa privada. Ou seja, a notoriedade das escolas provém do prestígio que seus alunos conquistaram no mercado de trabalho. A maioria dos profissionais que passa por esses centros de ensino é, tradicionalmente, branca. E uma das razões disso é que, das quatro escolas, apenas uma é pública, a USP – e, portanto, a única incluída no sistema de cotas raciais.

Existem no Brasil cerca de 230 mil economistas, segundo o Conselho Federal de Economia (Cofecon), a autarquia que fiscaliza a profissão. Para obter o título de economista, o bacharel em ciências econômicas tem de se registrar no conselho de sua região (Corecon) depois da diplomação. Anualmente, a Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação em Economia (Anpec), que reúne 29 centros de excelência acadêmica do país, faz um exame classificatório para cursos de pós-graduação, com ou sem bolsa. Mas nenhuma dessas entidades dispõe de um acompanhamento sobre o número de estudantes e profissionais por raça. Só recentemente o Cofecon começou a pesquisar o contingente de economistas por gênero. O resultado, como esperado, é que mais de dois terços são homens. No Ministério da Educação também não há estatísticas disponíveis sobre a participação de estudantes negros nos cursos de economia.

Os economistas negros, porém, estão se movimentando. Em abril de 2020, em plena pandemia, um grupo de cinco estudantes e profissionais, que havia se reunido para trocar informações sobre o mercado de trabalho, criou a Rede de Economistas Pretas e Pretos (Repp). A iniciativa ganhou uma coordenação e definiu como meta reunir pretos e pardos para a luta por maior diversidade nos cursos de graduação e pós-graduação, bem como nas empresas. Também passou a ser um centro de orientação para jovens recém-formados em ciências econômicas. Hoje, a Repp conta com 255 membros, sendo que 60% são homens. “A Repp só existe porque temos um problema maior, que é a falta de representatividade e de oportunidades para profissionais pretos”, diz José Henriques da Silva Ribeiro Jr., de 34 anos, um dos fundadores da rede e integrante do grupo de coordenação. “Decidimos criar esse network para vencer o preconceito. Espero que daqui a dez, vinte anos, não precise mais existir.”

Ribeiro Jr. se interessou pela carreira de economista meio por acaso, depois de um bate-papo, numa roda de samba carioca, com um amigo que fazia o curso. Descobriu que a profissão consistia em mais do que fazer cálculos e empregar fórmulas. Havia também o lado social, das políticas públicas, que o fascinou. Depois de fazer a graduação na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), fez mestrado na UnB, onde agora cursa o doutorado, que prevê concluir em 2024 com uma tese sobre política monetária e fiscal.

Ele não foge à regra da maioria dos estudantes negros: dividiu os estudos de graduação no campus da UFRRJ em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, com os trabalhos em um fast-food e em um supermercado. Na turma de 20 alunos, 3 eram negros, todos cotistas, inclusive ele, que estudou inglês em cursos gratuitos na internet.

Sua penca de casos pessoais de racismo é longa, inclusive os ocorridos na própria universidade. O episódio que mais o incomodou foi o de um professor que, no último ano de faculdade, se recusou a repor uma prova que Ribeiro Jr. tinha perdido porque não pôde se ausentar do trabalho. Ao ouvir a explicação, o professor sugeriu que fizesse uma escolha: trabalhar ou estudar. E o aluno, que havia obtido uma bolsa de mestrado para o ano seguinte, teve de esperar mais um ano para iniciar a pós-graduação. Ele não tem dúvida de que o preconceito estava por trás da recusa do professor. “A gente sente. Até na forma de olhar.”

Ribeiro Jr. traça um cenário grave da situação econômica brasileira atual, em que as desigualdades raciais e sociais se agravaram enormemente e não encontraram freio por parte do governo atual. “O Brasil voltou ao Mapa da Fome, feito pela ONU, não existe um plano de recuperação escolar para as crianças prejudicadas durante a pandemia. Apesar da recuperação, entre aspas, do mercado de trabalho, não observamos uma melhora na qualidade de vida nem na renda da população. O orçamento público perdeu a capacidade de promover bens públicos e serviços”, avalia. Mas ele está confiante com relação ao governo eleito. “Apesar de todos os desafios, vemos que tem uma disposição para tratar questões cruciais e colocar o Brasil nos trilhos com responsabilidade fiscal e inclusão social.”

Filha de um pescador e uma gari, a economista Vilma da Conceição Pinto tem 32 anos e, em 2021, foi a primeira mulher a assumir a direção do Instituto Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal. O órgão, criado há seis anos, busca aumentar a transparência em relação às contas públicas e está incumbido da construção de cenários e da delimitação de parâmetros orçamentários e fiscais que servem para avaliar os gastos do governo, prever o comportamento de indicadores econômicos diante de diferentes situações e balizar o impacto de medidas do governo na economia.

Conceição Pinto cresceu em uma comunidade conhecida como Caixa d’Água, um dos muitos morros que circundam o bairro do Fonseca, em Niterói, no Rio de Janeiro. É a quinta de seis irmãos, e a única a ter no currículo um curso de graduação e um mestrado. Com 16 anos, descobriu que no ensino médio já podia fazer estágio. “Fui ao Centro de Integração Empresa-­Escola e consegui um estágio no Shop­ping Plaza”, conta, sobre o início de sua vida profissional, em Niterói, como auditora de vendas.

Um dia, ouviu falar que, se tivesse diploma universitário, teria chances de ser efetivada no shopping. Ficou animada e começou a procurar cursos preparatórios, mas era tudo muito caro. Deixou o estágio para se inscrever num cursinho pré-vestibular dado numa comunidade. Estava decidida a fazer administração ou contabilidade, mas começou a pesquisar sobre outras carreiras. “Meu pai gostava de assistir jornal na tevê e passei a observar muito quando anunciavam que ‘o economista fulano’ ia falar sobre isso e aquilo.” Ela não tinha noção do que era um economista, mas percebeu que se tratava de um profissional que atuava num campo bastante vasto. “Vi que a economia tenta entender como funciona a sociedade, o mundo, como os países se relacionam, como acabar com a pobreza, a desigualdade. Eram assuntos que me interessavam.”

Em 2009, Conceição Pinto passou no vestibular para ciências econômicas da Uerj. “Entrar na faculdade claramente não teria sido possível se não fosse por cotas. Minha nota foi boa, mas não tão boa para a classificação”, afirma. A conquista da jovem teve forte impacto na família. “Minha mãe ficava falando para os colegas de trabalho dela que eu estudava na melhor universidade do Brasil. Ela é minha maior fã.”

Para se manter e ajudar em casa, a jovem precisou conciliar a faculdade com o trabalho de jovem aprendiz numa empresa de call center. Gastou muita saliva e sola de sapato até conseguir uma vaga de estagiária no IBGE, na área de Índice de Preços ao Produtor (IPP). Gostou do trabalho, mas para continuar no instituto teria de aguardar a abertura de concurso público. Como a FGV também fazia cálculo de índices de preços, ela resolveu se candidatar a uma vaga nessa área. “Me inscrevi sem conhecer ninguém. Mas tinha a experiência do IBGE, o que ajudou.”

Na etapa final do processo seletivo, foi entrevistada por Gabriel Leal de Barros, gestor de economia fiscal. Ele estava aproveitando o processo seletivo aberto pelo pessoal de índice de preços para selecionar um estagiário. Ela foi aprovada em todas as fases e contratada em 2011 como estagiária de Barros. Quando ele migrou para o BTG Pactual, Conceição Pinto assumiu interinamente a responsabilidade pelos boletins de macroeconomia e projeções fiscais. No Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV, passou a se reportar diretamente a José Roberto Afonso, um dos pais da Lei de Responsabilidade Fiscal, que rege o controle dos gastos públicos nas esferas federal, estadual e municipal. “Ela é uma pesquisadora de mão-cheia. Competente, batalhadora e, como pessoa, muito serena”, descreve Afonso, de quem a ex-estagiária se tornou mais tarde sócia em uma consultoria – função que deixou depois de entrar para o IFI, do Senado.

O pai de Conceição Pinto não chegou a vê-la formada. Sofreu um AVC e morreu quando a filha estava no último período da faculdade. Ela se graduou no início de 2014 e, quatro anos depois, concluiu o mestrado em economia empresarial e finanças na FGV, para o qual havia obtido uma bolsa. Foi então efetivada como pesquisadora do Ibre, cargo do qual está licenciada. Em seu trabalho na FGV, como pesquisadora responsável pela elaboração do Boletim Macro, passou a ser muito solicitada por jornalistas para analisar dados macroeconômicos. Vira e mexe sua foto aparecia em destaque na imprensa e ela era entrevistada em programas jornalísticos da tevê. Cada vez que ela aparecia em um telejornal, sua família fazia uma festa.

Em 2019, durante um seminário, Conceição Pinto chamou a atenção do economista Renê de Oliveira Garcia Júnior, então secretário da Fazenda do Paraná, que também havia estudado e trabalhado na FGV-RJ. Garcia a chamou para palestrar no Paraná e, em 2020, a convidou para ser sua assessora na secretaria. Todos os profissionais que Conceição Pinto consultou para se aconselhar sobre o convite a incentivaram a aceitar. Diziam que, para ela, uma especialista em política fiscal, a experiência na administração pública seria muito proveitosa. “E foi positivo, de fato, para ver como funciona a máquina pública por dentro, a burocracia da administração pública. É uma realidade diferente.” Ela permaneceu pouco mais de um ano no Paraná.

A questão dos gastos públicos preocupa Conceição Pinto desde a época de seu mestrado. E o tema não poderia ser mais atual, nesse momento em que se discute o teto de gastos, nome do limite imposto às despesas governamentais para adequá-las à inflação. O título do seu trabalho foi Resultado Fiscal Estrutural: Desafios para uma Nova Meta Orçamentária Nacional. A economista avalia que, hoje, o teto perdeu credibilidade e é preciso colocar algo no lugar. Ela acha fundamental que, nos próximos anos, o Brasil pense em alternativas que garantam o crescimento sem perder o controle do ponto de vista fiscal. “Pode ainda ser um limite de despesas, ou outra regra. O importante é que traga credibilidade e cumpra seu papel. O desafio maior será conciliar responsabilidade social e fiscal.”

O economista Renê de Oliveira Garcia Júnior, que cuidou das finanças do Paraná, segue distante do ativismo racial e não aceita rótulos que o posicionem à direita ou à esquerda, mas reage com euforia ao saber do interesse da piauí sobre a atuação dos negros na economia. “Até que enfim! Que coisa boa!”, diz, ao telefone, antes de encontrar a reportagem em seu confortável apartamento, em Botafogo, no Rio de Janeiro. Ele é um dos raros economistas negros a obter proeminência em esferas do poder estadual e federal. Aos 63 anos, tem uma interessante história para contar.

O primeiro capítulo acontece na década de 1960, no Pará. O governador Alacid Nunes, um militar do Exército eleito pela udn (União Democrática Nacional), havia “adotado” um molecote como uma espécie de consultor de arte. Nas exposições de artistas locais, era do garoto a palavra final sobre o quadro que iria engrossar o acervo do governo. “Eu era um crioulinho todo posudo, que andava de terno branco de linho, se achando o máximo. Olhava os quadros e dizia: ‘Governador, esse não. Natureza morta, a gente não compra’”, relembra o economista, num relato entrecortado de risos.

Carioca de nascimento, Garcia Júnior passou toda a infância e parte da adolescência em Belém, para onde sua mãe se mudou depois de se separar do marido. No Pará, por causa de certa influência que sua família tinha na cidade, o menino não conheceu o peso do racismo. Seu avô era comandante de cargueiros que trafegavam pelo Rio Amazonas, e seu tio-avô Leônidas Monte, artista plástico renomado na Região Norte, tinha sido professor de desenho de Alacid Nunes – que, no final da década de 1970, voltaria ao Executivo do Pará, como um dos governadores biônicos da ditadura militar, com a qual colaborou ativamente.

A vida de Garcia Júnior girava em torno do colégio marista, das missas diárias pela manhã e da casa ampla do avô, onde morava. Até a adolescência, ele estava convicto de sua vocação para o sacerdócio. Mas, aconselhado pela mãe, abandonou a ideia de se tornar padre e resolveu cursar engenharia no Instituto Militar de Engenharia (IME), no Rio de Janeiro. O avô bancou o retorno da filha, do neto e de sua irmã, dez anos mais nova, para a capital fluminense, mas Garcia Júnior se desinteressou do IME ao conhecer o prédio imponente que mistura os estilos art déco e neoclássico, no bairro da Urca. “Confesso que achei o ambiente meio autoritário. Estávamos em plena ditadura, em 1975, eu vinha de colégio religioso, era supermimado”, conta.

Pouco a pouco, como ocorreu com Mário Theodoro e Vilma da Conceição Pinto, em épocas distintas, Garcia Júnior foi fisgado pelas reportagens econômicas nos jornais: “E tinha uma coisa que sempre se destacava nas matérias de economia, que era a Fundação Getulio Vargas.” Um dia, ele passou pela FGV, na Praia de Botafogo, e resolveu entrar, para pedir informações sobre o vestibular do curso de administração pública. “Também comprei num sebo o livro Economia: Uma Análise Introdutória, de Paul Samuelson, um clássico. Comecei a ler e me apaixonei.”

Garcia Júnior fez vestibular para economia na FGV e administração na Uerj. Foi aprovado nos dois, e começou fazer os cursos simultaneamente. Passava mais tempo na FGV, onde obteve bolsa de estudos, do que em casa. Foi lá também que fez sua pós-graduação em economia. No doutorado, conheceu Mário Henrique Simonsen, ex-ministro da Fazenda no governo do general Ernesto Geisel. “Simonsen era um ídolo na FGV e no Brasil. Eu tinha muita admiração e colei nele, virei uma espécie de pupilo. Era um professor fascinante, capaz de passar horas com os alunos fazendo exercícios. E, apesar da fama de mal-humorado, conosco era muito cortês, paciente e educado”, lembra.

O destaque alcançado na FGV fez de Garcia Júnior um monitor de curso. Ele tinha uma sala com vista para o Pão de Açúcar, um salário mínimo e meio de bolsa e supervisionava exercícios de estatística e matemática de outros alunos. Fez parte de uma geração de alunos de Simonsen que futuramente ganharia expressão nacional, entre eles Sérgio Werlang, ex-diretor do Banco Central, Maria Silvia Bastos Marques, ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e o banqueiro Daniel Dantas.

Garcia Júnior se refere ao amigo Daniel Dantas como um economista talentoso. “O Daniel é muito brilhante, de uma inteligência ímpar, capaz de ver coisas que ninguém vê”, diz. “Simonsen dizia que o cara é bom quando conhece o rodapé do livro-texto. ‘Inteligência é o asterisco’ e o Dantas tem essa capacidade de ver as coisas onde ninguém vê.” Dantas foi preso em 2008, acusado de crimes contra o sistema financeiro em seu banco Opportunity, mas absolvido em 2012.

O ministro da Economia do governo Bolsonaro, Paulo Guedes, também foi professor de Garcia Júnior na FGV-RJ e, na época em que era sócio do Ibmec, convidou o ex-aluno para dar aulas lá, tarefa que ele cumpriu por mais de dez anos, enquanto atuava no mercado financeiro. “Guedes adotou um personagem, uma persona”, ele comenta. “O acadêmico liberal que era na época foi mudando conforme a realidade, se adaptando. Ele tem uma capacidade intelectual muito grande, bem como uma capacidade de se adaptar à realidade. É um ser se adaptando.”

Quando Garcia Júnior estava terminando o mestrado na FGV, seu avô morreu. Sem o provedor, a família passou por dificuldades. O rapaz teve de procurar emprego e resolveu se candidatar a uma vaga de gerente econômico no Banco Bozano, Simonsen – extinto banco de investimentos de Júlio Bozano e Mário Henrique Simonsen. “Na época, eu não tinha terno. Tinha uma calça social, um sapato e duas camisas”, conta. “Fui para a entrevista imaginando que vigorava ali o mesmo comportamento do mundo acadêmico, onde o que importa é o desempenho, não a estética.”

A pessoa que o entrevistou nem lhe estendeu a mão para um cumprimento. “Foi a primeira vez na vida que presenciei e vivi o racismo de forma explícita e a mais cruel possível, de a pessoa sequer cumprimentar a outra”, afirma. “Aí senti realmente o quanto uma pessoa pode ter ódio de outra só porque ela é diferente. Eu era um aluno brilhante, exemplar, e tinha muito orgulho disso.” Quando soube do ocorrido, Simonsen disse que resolveria o assunto. E, de fato, pouco tempo depois falou para Garcia Júnior voltar ao banco, que a vaga estava garantida. “Eu não quis. Achei que não era correto.” O episódio o assustou, e ele se deu conta de que, até então, havia “vivido em uma redoma”.

Após trazer à tona essa lembrança, enquanto conversava com a piauí, ele se levantou para abrir as janelas da biblioteca, onde as estantes, que cobrem três paredes, enfileiram apenas parte de seus 14 mil livros (o restante do acervo está em um guarda-volumes). Ao andar, sentia o tremor nas pernas, e explicou que ainda luta com as sequelas deixadas pela Covid. Ele foi uma das vítimas graves da pandemia em 2021. Entrou em um coma que se estendeu por treze dias. Ao todo, ficou 23 dias internado no Hospital do Trabalhador, referência em Curitiba no tratamento dos problemas causados pelo vírus. “A Covid me deixou uma sequela chamada ‘falso Par­kinson’. Há um ano tomo medicação importada da Inglaterra para controlar os tremores nas pernas”, diz.

Garcia Júnior é um sobrevivente, e não apenas dessa moléstia. Entre 2003 e 2018, sofreu cinco infartos, que lhe deixaram um saldo total de quinze stents – o que ele conta entre risos. “O primeiro foi em Buenos Aires, na rua, em junho de 2003. Fiquei muito mal. Na época era o governo Lula, eu trabalhava na Susep [autarquia federal reguladora do mercado de seguros e previdência privada]. Dois anos depois tive outro infarto, e daí uma sequência até o mais recente, em julho de 2018.” Os ataques cardíacos foram causados por dois fatores: herança genética (o avô paterno morreu do coração aos 48 anos; o pai, aos 51; e a mãe, hoje com 83 anos, carrega quatro pontes de safena) e o estresse ao qual foi submetido em sua vida profissional, principalmente nos tempos de atuação no mercado financeiro. “Minha vida sempre foi muito tensa. Comecei a trabalhar jovem em instituição financeira. Era chefe de mesa de operações”, justifica.

Depois da candidatura frustrada à vaga no banco de Simonsen, o economista foi convidado para o cargo de assessor técnico pelo colega Daniel Dantas, que havia assumido a vice-­presidência da Bradesco Seguros. Garcia Júnior preparava estudos e ajudava em apresentações. Ficou lá alguns meses, até que Simonsen o recomendou ao dono da corretora Convenção, Eduardo da Rocha Azevedo, então presidente da Bolsa de Valores de São Paulo, para substituir um diretor. “Eu tinha 23 anos e não sabia nem qual era o meu salário porque o Simonsen tinha negociado tudo. Só sabia que era muito dinheiro, de marajá.”

O salário e o cargo de chefia o blindaram de novos episódios de racismo, mas apenas dos mais acintosos. Continuaram os ataques disfarçados de brincadeira. Na época, final dos anos 1980, fazia sucesso na Rede Globo a minissérie Tenda dos Milagres, uma adaptação do romance homônimo de Jorge Amado. O personagem principal, Pedro Archanjo, interpretado por Nelson Xavier, é chamado de ojuobá, expressão que em iorubá significa “olhos de Xangô”. Os colegas passaram a se referir a Garcia Júnior com o nome do personagem. “Vamos ver se o Pedro Archanjo passa nessa, se é bom mesmo”, diziam. “Eles falavam isso porque eu era um crioulo vestido de branco”, comenta o economista, que usa com espontaneidade termos co­mo “crioulo” e “mulato” – hoje repudiados pela comunidade negra.

Na corretora, ele passou a se relacionar com personagens que marcaram a época mais especulativa do mercado financeiro do país, como Alfredo Grum­ser Filho (conhecido nos anos 1980 por suas operações na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro com ações da Vale), Na­ji Nahas (o megaespeculador apontado como responsável pelo colapso da Bolsa do Rio, em 1989) e André Jakurski (um dos fundadores do Banco Pactual). Depois de dois anos na corretora, Garcia Júnior já havia estabelecido um relacionamento forte no mercado financeiro e não sentia mais de forma tão escancarada o preconceito inicial. “O ser humano tem a capacidade de se adaptar e virar personagem. Você começa, de alguma forma, a representar papéis para ser aceito. Não fiquei branco, mas me adaptei àquele mundo.” Ele se transformou também em especulador.

Mais uma vez pelas mãos de Simonsen, com quem mantinha o hábito de almoçar toda sexta-feira, Garcia Júnior deu outro salto na carreira. O ex-ministro lhe disse: “O doutor Roberto Marinho ligou e pediu uma pessoa para trabalhar na Globo, na parte de investimentos. Vou marcar para você com o filho do Leônidas Pires Gonçalves, o Miguel.” Pires Gonçalves foi ministro do Exército no governo José Sarney, e seu filho, Miguel Pires, era vice-presidente executivo de finanças da Globo.

Garcia Júnior estava com 26 anos. “O Miguel gostou muito de mim porque fazia o estilo de mercado financeiro, todo empolgado, falador, com os números na cabeça. Era capaz de grandes loucuras especulativas.” O economista foi para a diretoria técnica da Roma DTVM, a distribuidora de valores cujo nome não se refere propriamente à capital italiana, mas às primeiras sílabas do nome de Roberto Marinho. “Ainda guardo o crachá de lá”, diz. Assim como uma corretora, uma distribuidora de títulos e valores mobiliários (DTVM) atua na intermediação de compra e venda de títulos na Bolsa. Garcia Júnior conta que, sob o comando da equipe chefiada por Miguel Pires, a Roma teve a maior rentabilidade das distribuidoras de valores do Brasil na época.

Quando uma parte da Roma foi comprada pelo Arab Banking Co., Garcia Júnior decidiu que era hora de sair. Foi convidado a atuar na diretoria de investimentos do grupo Bunge, multinacional norte-americana de alimentos e agronegócio. Ao chegar no escritório em São Paulo, recebeu uma estranha recomendação: trocar as camisas sociais coloridas pelas brancas e adotar uma postura mais discreta. Foi o que fez, enquanto exercitava a veia competitiva no mais alto grau.

A ousadia nas operações financeiras lhe causou uma reprimenda da parte do comando da Bunge. Afinal, para um grupo industrial, essas operações deviam funcionar como apêndice, não como um fim. O “castigo” surpreendeu García Júnior: ele foi enviado para um curso de especialização em mercado de capitais em Fontainebleau, na França. “Acho que foi uma pegadinha. O curso era apenas uma desculpa para me mandar para Paris. Fiquei 45 dias na França, e confesso que voltei outra pessoa.”

Ao retornar, teve um novo problema de saúde. “Um dia, senti um incômodo e percebi que meu olho tinha caído, estava aqui embaixo”, diz, apontando para a bochecha. O diagnóstico foi síndrome de Guillain-Barré, doença auto­imune que afeta o sistema neurológico. Levou quatro meses para se recuperar. “Todos os médicos disseram que era excesso de trabalho e de tensão nervosa e que aquilo era um telegrama que Deus estava mandando. Eu tinha que mudar de vida. Mas, o que podia fazer? Só sei fazer isso.”

À base de corticoides, vendo o ponteiro da balança avançar para os 105 quilos, tentou uma rotina menos estressante e voltou à vida de pesquisador na FGV. Em 2002, um dos caciques do PT o convidou para ingressar no governo de Benedita da Silva, que estava assumindo o Executivo fluminense.

Como secretário de Controle, cargo com amplos poderes criado especialmente para sua gestão, Garcia Júnior foi fundamental na reorganização das finanças do estado do Rio. “Bené não queria um secretário branco. Ser negro ajudou muito. Eu não a conhecia, mas desenvolvemos uma proximidade tão grande que ela confiava em mim totalmente. Por mais difíceis que fossem as coisas no governo, ela deixava eu fazer.” Em dobradinha com o secretário de Fazenda, Nelson Rocha, ele montou operações herdadas do mercado financeiro, como a venda antecipada de royalties do petróleo. Cesar Maia, então prefeito da cidade do Rio, emprestou dinheiro sob a condição de que fosse devolvido no mesmo ano, e os dois secretários conseguiram estabilizar a situação antes pré-falimentar do governo do estado.

Um ano antes, Garcia Júnior havia sido convidado pelo amigo Sérgio Werlang, diretor de Política Econômica do Banco Central – então presidido por Armínio Fraga – para fazer um estudo sobre a possibilidade de criação de uma agência única de regulação do mercado financeiro. A ideia era juntar a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a Superintendência de Seguros Privados (Susep). “Passei um ano com eles no Banco Central estudando esse negócio. Foi um trabalho pago pelo Pnud [Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento] e acabou indo parar na mão do Palocci, quando ele assumiu o Ministério da Fazenda, já no governo Lula.” Antonio Palocci gostou do projeto e pediu que Garcia Júnior pensasse em “criar um mercado de seguros mais pujante e quem sabe imaginar essa convergência”, nas palavras do economista, que acabou assumindo a Susep, na época um órgão bem inexpressivo.

Se a vida de Garcia Júnior fosse um filme, o plot twist seria o convite feito, quinze anos depois, para integrar o governo de Carlos Massa Jr., mais conhecido como Ratinho Jr. (PSD-PR), na condição de secretário da Fazenda. Ele diz não ter sofrido nenhum patrulhamento por ingressar num governo conservador. “Engraçado, foi por fazer parte do governo da Benedita da Silva que senti patrulhamento, da parte dos conservadores. Eles não perceberam o significado histórico daquele momento.” Em alguns veículos da mídia paranaense, porém, Garcia Júnior chegou a ser classificado como um “petista” no governo. Ratinho Jr, que apoiou Jair Bolsonaro na campanha presidencial, foi reeleito no primeiro turno, com quase 70% dos votos. O economista se define como um “democrata convicto”. “No plano econômico, sou liberal e conservador na questão fiscal”, diz. Em sua avaliação, a situação econômica atual do Brasil é “extremamente complicada”, tanto em relação ao cenário externo – marcado por uma contração disseminada – quanto ao interno – com uma crise fiscal já contratada para o próximo governo.

Foi por causa do posto no governo paranaense que a sua carreira cruzou com a de Vilma Conceição Pinto, a quem ele convidou para assessorá-lo. “Tenho muita admiração e carinho por ela. É uma pessoa muito competente. E fiz questão de levá-la também para mostrar que nós, pretos, temos valor. E que somos muitos”, diz. “A Vilma é filha de pescador, um exemplo de sucesso e determinação. Mas ainda é exceção.”

Conceição Pinto morou em Curitiba apenas um ano, entre 2020 e 2021, mas foi o suficiente para sentir o preconceito racial de uma forma mais acentuada do que estava acostumada. “Não dá para explicar direito. É a forma de olhar, de falar com você.” Garcia Júnior também voltou a sentir de forma muita intensa o preconceito depois que passou a morar no Sul do país. “É muito evidente: no jeito de olhar, de se comportar e de agir. É uma sociedade de guetos: italianos, poloneses, ucranianos… Eu estava ali, num lugar de europeus.”

O economista sente falta de maior representatividade do pensamento negro na definição de políticas econômicas, mas acha que isso só acontecerá com a facilitação do acesso à carreira e incentivos desde o ensino fundamental. “Nas demais áreas de ciências humanas tem aumentado o contingente de pensadores negros. Mas na economia, devido a todas as particularidades da carreira, ainda há muita lentidão.”

Garcia Júnior tem sua própria teoria para explicar o que impede um maior número de negros de ingressar nos cursos de ciências econômicas. Em primeiro lugar, a necessidade de dedicação em tempo integral, quando muitos precisam trabalhar para manter os estudos. Em segundo, o domínio de pelo menos uma língua estrangeira, o que exige uma verba extra raramente disponível. Por fim, um sólido conhecimento de matemática, o que é difícil de obter caso a pessoa estude em escolas públicas. “Se você quiser ter sucesso no mundo acadêmico, a economia ortodoxa exige um domínio de matemática muito profundo, o que leva a uma dedicação monstruosa desde jovem.” Mas ele não desconsidera as circunstâncias sociais concretas que impedem que economistas negros se projetem no Brasil. “As boas escolas de economia foram tomadas pela classe média alta.”

Fonte: Revista Piauí

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